quinta-feira, abril 26, 2012

A NEUROSE DA (IR)RESPONSABILIDADE

 

Miguel-Velasco-NeurosisA convocação constante e pomposa do sentido de responsabilidade merece-me uma incessante vigilância crítica que, com o amealhar dos anos e a senescência por longe (felizmente), se desenvolveu ao extremo da teimosia e não, é pena, no seu refinamento apetecível. No entanto, confesso que saber de onde irrompe esse deslizante apelo, desde logo, desperta em mim o interesse (adormecido e preguiçado pela impreparação) de compreender o fenómeno. Saber quem é o responsável, aplicado e generoso, motivado pelo meu comportamento ou desempenho responsável faz-me (talvez) mais esperto e, sobretudo, por que dependente da minha vontade, obstinadamente diligente nesse intento solitário de espiagem.

Saber se esse responsável é um mero serviçal de um osco poder ou vive em concubinagem com uma qualquer estranha moral, não é obviamente um saber despiciendo. Neste particular, a experiência sovada pouco me ensinou pois a vida (por si) nada ensina. No entanto, à força de tanta sovadura eu tive que aprender com ela e não aguardar que ela se prestasse a ensinar-me alguma coisa. Deste modo, aprendi a aprender (passe o modismo), fazendo das tareias o conteúdo necessário deste meu saber vivencial. Aprendi que me tornava (aos meus próprios olhos), ao anuir a esses poderes embuçados e ao acatar os desvarios dos dispersos concubinários, um responsável lerdaço e inútil, desconfortado em crescendo com as lisonjas de todos aqueles outros.

Há responsabilidades que se acolhem por que se celebram comprometimentos e dependências, supostamente no exercício de uma liberdade essencial e de uma consciência sentida como plena. Responsabilidade e liberdade fazem-se (assim) relação de inteligibilidade potenciadora de valor nesta fatal disputa de ajuizar condutas e audácias. Atente-se (porém) que liberdade essencial não significa, por uma qualquer vontade conveniente, fácil repudiação ou remoção de embaraços, como também não se mostra em meras espontaneidades de quereres que se bastam a si próprios. Igualmente ainda, em abono da provocação, diga-se que a liberdade de que falo como essencial não é essa liberdade dirigida que por aí perambula e que gentil e generosamente oferece escolhas não-determinadas por quem as elege.

Liberdade essencial significa estar livre para a acareação consigo (fundamentalmente), com o mundo (desejavelmente) e com as suas múltiplas e diversas exigências (necessariamente), reconhecendo em si (como sujeito individual ou coletivo) os poderes de constituir e de destinar e (assim) inventar as soluções necessárias aos desafios, próprios e dos outros, que o enredo da vida vai inevitavelmente entrelaçando. A responsabilização (como ato que se sucede no tempo) apela a um sentido de responsabilidade que, pela sua natureza educável e pela sua função de orientação e de rumo, apresenta como referente e essência o sentido forte, influente e decisivo do que é humano e se presta à humanidade. A responsabilidade de avançar nesta aventura nossa, que é de todos, dispensa disfunções que esvaziam essa referência e a sua essencialidade.

IMAGEM RETIRADA DAQUI

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