Problematizar (trabalhando possibilidades outras) anuncia a todo o tempo perplexidades, busca continuadamente formas novas de olhar os problemas e desperta sem fim exercícios de pensamento que moldam leituras desafiadoras a naturalizações que, embaraçando a tentativa, estimulam o seu propósito. Estranhar o habitual e permitir a familiaridade do desconhecido requer uma disponibilidade treinada (aberta e diligente) na tarefa sempre árdua de divisar diferenças (presentes e ausentes) nos movimentos silenciosos das diferenciações articuladas que sossegam enrijadas no leito dos múltiplos interesses estabelecidos.
Para quem não alenta nem se fundamenta em rebanhos de espécie duvidosa, as demonstrações populares de desmedido espavento são sempre vistas com o olhar crítico da tolerância exigente. As evidências da numerosidade arrastam consigo (vezes sem conta) a possibilidade de achacados populismos que se corporizam nas imperfeições civilizacionais, quando não nas penúrias de toda a ordem, nas desesperanças da vida ou em crises presentes de futuros adiados. Se alguns políticos (ou políticas) exploram tais particularidades, os mercados possuem delas um saber feito pelas agulhas e linhas com que se cosem.
Assim pensando, diria que a soberania de um qualquer populismo (político ou mercantil), numa sociedade tutelada por culturas de propaganda, nutre-se da exaltação de consumismos diversos com a cumplicidade sempre pronta e enérgica dos enredos mediáticos habilmente dóceis e (sobretudo) artificiosamente criativos. O irresistível anunciado, a necessidade fabricada, o desassossego excitado, tornam voluntário um gesto que (na sombra) embala o humano que nele se deixa adormecer. A necessidade desobriga-se assim da liberdade e da dignidade e amamenta o “kitsch” ardiloso que se alastra transversalmente por campos dispersos, todos eles submetidos (hoje, mais do que nunca) à lógica mercantil que nos incompleta.
A campanha do Pingo Doce, vale o que vale mas vale, no essencial, por que se entranha num espécime de populismo universalizado que, por muitas cambalhotas argumentativas que se deem, não deixa de constituir apenas mais uma forma (manhosa e, talvez por isso, rentável) de desumanização e, já agora, de revivalismo ideológico. O populismo sempre se revelou como meio expedito e despudorado de conservação ou de conquistas de poder(es). Neste particular, qualquer pessoa de bom senso não pode deixar de reconhecer que o Pingo Doce não se quis prestar à virtude da generosidade ou de uma outra qualquer grandeza humana ou social. O Pingo Doce foi apenas e simplesmente oportunista. Fez marketing, fez negócio e não deixou de fazer política. O 1º de Maio era a data conveniente para a convergência de tantos fazeres sem causa moral alguma. O populismo no seu melhor.
Imagem retirada DAQUI
Sem comentários:
Enviar um comentário