Um elogio a Helena Sacadura Cabral
A “velhice” pode ser uma chateação possível mas as representações sociais que a escoltam fazem dela uma “porra certa” feita de irritações numerosas, algumas delas verdadeiramente sórdidas. O paternalismo desleal e falsamente protetor que a segue (a velhice), como tal, inspira as ditas representações, enjeita nos chamados “idosos” ou “idosas” (por antecipação) potencialidades de natureza diversa e, ao mesmo tempo, reforça o seu poder insistindo (por excesso e sem tino) no peso dos seus limites, das suas doenças ou da sua morte vaticinada.
O percurso lógico começa pelo invento de traços físicos identificadores capazes de marcar as gentes, de fundamentar as diferenças e de fixar os territórios. Deste jeito, geram-se abandonos e favorecem-se exclusões ou inventam-se negócios e criam-se acolhimentos. Em comum, oferecem-se não-lugares, uns formados de perdas inteiras, outros de privações essenciais. Anula-se a importância, golpeia-se a estima e ironiza-se a sexualidade. Propõe-se, no fundamental, em lume brando, uma morte ainda em vida.
Todavia, há sempre quem resista e, neste universo de oponentes, alguns ditos “velhos” ou “velhas” desviantes feitos(as) de tremendas descrenças e enérgicas teimosias. Ao longo da vida, estes(as) instruíram-se (naturalmente) na deserção a muitas normas instituídas e às bondades das categorias em que aquelas sempre os(as) aliciaram e hoje, caprichosamente, julgam ter chegado o tempo certo de os(as) capturar. No entanto, os(as) resistentes aprenderam, como sempre, por manha, habilidade ou inteligência, a navegar em contracorrente nas enxurradas dos binários da simplificação e da classificação com que se formatam as vidas e as existências de muitos(as) e azarados(as) imprevidentes.
Fora assim do enxurro, os(as) desviantes avistam o excêntrico de margens imprecisas e tropeçam em horizontes provavelmente mais salubres e reavivados de possibilidades. Para eles(as), as evidências deixam de o ser na perplexidade que alcançam e no pensamento que os(as) inquieta no estímulo dos progressivos e contínuos achados. Descobrem então que a vida que buscam não está do outro lado da norma mas sim numa reinvenção que rejeita a facilidade da mera e simples oposição à norma. Eles(as) sabem, melhor que ninguém, que envelhecer … lá terá que ser. Contudo, não pelas categorias sociais que eles(as) percebem estranhas e que, pela sua estranheza, mais espontaneamente podem entranhar. Decidem, assim, não murchar antes do tempo, de um tempo que a cada um deles(as) pertence e que a cada um(a) definitivamente cumpre viver.
Muito bom senhor Professor.
ResponderEliminarCésar