quinta-feira, maio 17, 2012

A PRIVATIZAÇÃO DO ESTADO E O ESVAECIMENTO DA DEMOCRACIA

 

o-que-fazer-com-a-democraciaA razão deste post alicerça-se no atual modismo neoliberal escarnecedor do valor da democracia, da sua legitimidade e da sua suficiência, designadamente no que toca ao melancólico domínio do económico. No breve escrito que lhe dará corpo esgravatarei essa evidência fazendo uso de um raciocínio lógico e, de modo razoável, brigarei com a suposta superioridade advinda de uma adotada e subtil convicção que aguenta tal presunção. Se escolho o dito convicção (e não um outro qualquer sentimento mais permeável à obscuridade) é por que tenciono mover da argumentação tropelias dispensáveis à narrativa adotada.

Presumo que ninguém minimamente (d)esperto deixa de relacionar dimensões próximas tais como o bem comum, os interesses privados/públicos, a democracia, a economia e a política quando considera algum destas situações em particular. No entanto, se aquela trama concetual se apresenta calma à partida aquando do bate-boca de um qualquer destes tópicos, já a construção argumentativa que dela escapa e a exibição dos juízos valorativos que a substanciam são claramente marcadas pela conflitualidade ideológica incombinável.

Perceber como é que esse dogma venerável da doutrina neoliberal (e por isso para ele indispensável) da separação entre o estado e a economia tem feito o seu caminho de simulada irrefutabilidade constitui, por si, um exercício lógico e filosófico de desconstrução absolutamente urgente neste quadro atual historicamente crítico das sociedades. Da ideia inaugural da virtuosa e saudável concorrência à privatização do estado e ao correlativo esvaecimento da democracia (enquanto instância política) fez-se da neutralidade um fundamento vulpino do método ideológico da dita e glorificada doutrina.

Deste modo, o mimetismo liberal reconhecendo a perturbadora natureza política do estado democrático encetou há muito tempo o seu enfraquecimento presenteando melhores condições à energia do seu dogma na justa proporção que fanava à democracia a genuinidade da sua origem instituinte de ação e decisão políticas. Privatizar idealizando horizontes sem limites inspirava assim invenções que, aparentando culto pela democracia, a pudessem golpear na sua identidade básica e essencial, ou seja, de livremente definir, eleger e realizar políticas em conformidade.

Nesta circunstância, com o pretexto generoso de acautelar os interesses públicos criaram-se as regulações necessárias e com estas descobriram-se autoridades de competência assegurada para as afiançar e as levar a cabo. Afinal duas chagas se aliavam sem que ninguém desse por isso; a livre concorrência não se confinava afinal ao exercício da virtude e o estado democrático persistia no desperdício e obstinava-se numa ingerência imprópria. Agregar então à democracia gente conhecedora que à competente sagacidade reunisse o atributo de técnico não-político seria ouro sobre azul em benefício de todos. O estado democrático dava assim a sua vez, com uma deferência inusitada e perante a sua suposta ineficiência, a um estado abençoado pela regulação.

E é no apetecível reconhecimento deste estado regulador que medra como virtude democrática a neutralidade e se pespega a isenção política como condição conveniente ao exercício dessa cidadania magnânima e sem-par. Como é fácil de captar, uma democracia feita de equanimidades e desprendimentos deste jaez, revitaliza-se naturalmente perante o engasgo comparsa da política. A palavra de ordem “menos política, mais democracia” é vozeada em silêncio embora sem disfarce. A onda neoliberal elege assim as tecnocracias politicamente puras que na presença da privatização do estado têm por responsabilidade não só proteger os interesses públicos como restaurar as deformidades que do tempo democrático dimanam. Como estamos agradecidos e deles necessitados neste magano leilão dos interesses públicos nos eficientes mercados da liberalização. Por isso, bem hajam.

 

IMAGEM RETIRADA DAQUI

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