domingo, fevereiro 16, 2014

AS CRENÇAS DO NOSSO ACREDITAR

Viver é assumir-se para alterar-se.
Vilém Flusser

internacional-algemas-prisao-hamas-faixa-de-gaza-israel-fundamentalismo-isla-20130508-01-size-620O acontecido no passado encaminha o futuro pelas entranhas de um vínculo chamado memória. Não apenas por aquela autobiográfica e consolidada que a lembrança evoca, valendo-se da “representação de si” no movimento do tempo e amoldada por uma útil e ritmada ficção. A memória é bem mais ampla não se esgotando unicamente no lado consciente desta invenção fabuladora. O nosso sentir subjetivo – desprovido de recordação e de um “eu” imaginado num tempo preciso – subsiste  apesar de não se reconhecer nas raízes do seu passado.

Ora, é nesta superfície da memória – asseguram os doutos da especialidade – que se fixam os nossos valores, crenças e papéis, por apropriação e reconstrução, ativa e interna, dos elementos de uma cultura que acostuma. Com a repetição, a aptidão humana de pensar faculta a descoberta de homogenias e contrastes, produzindo-se, assim e naturalmente, as representações necessárias às aprendizagens da vida. Por consequência, provindo de contextos ordenados culturalmente, estas representações ou generalizações não são, por essa atuante razão, criações singulares, pese embora o seu emprego eclético orientado para interesses e utilidades necessariamente múltiplos e distintos.

Chegado a este ponto, levanta-se a questão; onde e como edifico as crenças para o meu acreditar? Pondo de lado, por prudência, os estratos mais profundos da crença, acolho a ideia de que esta aparece e se forma sempre num horizonte de indeterminação que, por uma necessidade intrinsecamente humana, o indivíduo procura conquistar, determinando através da descoberta, o ainda indeterminado. Mas, descortinar a verdade não é o mesmo que esclarecer o bem e muito menos deslindar o belo. Os atos de crença envolvidos na descoberta da verdade, do bem e da beleza não são atos da mesma casta. Enquanto a verdade faz apelo à prova, o bem recorre ao argumento e a beleza à evidência. Eis as diferenças que, no seu âmago, as distinguem e as separam.

A infundada certeza dos fundamentalistas, como parece ser notório, exibe-se na incondicional repulsa por uma qualquer evidência que a possa contraditar. Não estando propriamente no arbítrio de quem a aclama, a desvirtude reside sobretudo na convicção firme da irrefutabilidade da sua certeza e na superior companhia da negação da evidência que a recusa. Tanto quanto sou capaz, escoltado por uma vontade de pensar criticamente, embora defenda com forte paixão as minhas crenças, não deixo de estar atento aos escorregadios declives fundamentalistas ou ao conforto fácil e abrigador do pálio de uma qualquer fé. O assenhoreamento do indeterminado faz-se perseguindo a verdade, validando-a com provas que a tornem mais real. Na ausência destas, a crença enfraquece. Na presença convincente de outras que a refutam, resta um caminho; considerar a falha e mudar de ideias. Simples, evitando os fundamentalismos obtusos ou a amável comodidade das verdades reveladas.

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