sábado, abril 25, 2015

NÃO SE PODE PEDIR COICES A UM CAVALO DE CARROCEL

Um desabafo sobre Thomas Piketty e o seu Capital no Século XXI

transferirO mundo à medida do Capital, que no tempo que ocorre estrangula, com desumana violência, o campo imenso do trabalho, tem vindo a mover-se e a envolver-se em uma vigorosa onda sistémica que a seu favor estorcega, sem clemência, não apenas a esfera do económico como também as jurisdições da política e da cultura, atroando impassível as sociabilidades que conformam a vida e o dia-a-dia dos trabalhadores e das suas famílias. A mancebia amorável, todavia dissoluta, do acasalamento neoliberal com o fundamento pós-modernista explica, e em muito, a escala e a sucessão dos fenómenos sociais que dessa intimidade desabrocham e que enchiqueiram hoje, como no passado, o mundo da grande maioria das pessoas que do trabalho vivem.

Perante tão dramática realidade, pergunto-me; e se, de uma vez por todas, deixássemos de encarar às avessas este mundo e definitivamente sepultássemos a peregrina ideia de que é o dinheiro que gera riqueza e nos convencêssemos que somos nós, os trabalhadores, quem afinal produz o Capital. E se desistíssemos de pensar o Capital como o dinheiro dos ricos, como nos aconselha Frédéric Lordon[1], e aprendêssemos com Marx que o Capital “é um modo de produção, isto é, uma relação social. Uma relação complexa que, à relação monetária das simples economias mercantis, acrescenta – é este o centro de toda a questão – a relação salarial, constituída em torno da propriedade privada dos meios de produção, da fantasmagoria jurídica do ´trabalhador livre`, esse indivíduo todavia privado de qualquer possibilidade de reproduzir por si próprio a sua existência material, e por isso atirado para o mercado de trabalho, forçado, para sobreviver, a empregar-se e a submeter-se ao controlo patronal, numa relação de subordinação hierárquica”? A mutilada epistemologia de Piketty, sobre estas questões, nada diz porque a raiz dessa mesma epistemologia não inscreve, de modo claro e consequente, o incontornável antagonismo Capital/Trabalho. Daí, o seu Capital do Século XXI ter merecido uma surpreendente (ou talvez não) unanimidade mediática.


[1] Do artigo no LE MONDE DIPLOMATIQUE, edição de ABRIL 2015, de FRÉDÉRIC LORDON, intitulado Com Thomas Piketty, não há perigo para o capital no século XXI.

NotaO título dado a este texto é uma expressão de FRÉDÉRIC LORDON usada no artigo acima referido.

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