Vende-se a ilusão de que a culpa da abstenção eleitoral é, acima de tudo, dos políticos. Dos partidos, das políticas e da sequente ação política. Do meu ponto de vista, tal olhar estreita a envolvência que, no abstrato, se emblema por ordem política. Não será por isso acaso que os media são aqueles que, por grosso, alienam a retalho tal simplificação. Deliberadamente, silenciando a sua ilegítima desinscrição nesse embaraço. Ocultando, ou iludindo, a sua condição de sujeitos políticos ativos. Informam, formam, deformam e fazem opinião. Servem-se de um direito, mas esquivam-se do dever. O dever de promover o desempenho pleno de cidadania que a democracia obriga. Da vantagem sistémica retiram o poder mediático, menoscabando a sua primordial função social. A imperativa rentabilidade, de modo cada vez mais acentuado, escora-se nos números. Dos lucros, da publicidade, dos leitores e das audiências. Em prejuízo claro da afirmação do poder político eletivo, subalternizando assim este elemento constitutivo que, afinal de contas, se impõe proteger. Escudando a democracia e a sua qualidade. A tabloidização crescente do mediatismo fala por si. O croqui da espetacularidade, da emoção e da dramatização retrata a adoentada transição que nos envolve, e desenvolve. O cidadão, dando lugar ao espectador consumidor, vagueia na superfície do consumo da confusão. A traição à democracia ganha aqui o seu molde, o molde da contraversão. Parafraseando José Gil, diria que a ilusão da liberdade nasce aqui, na torção que se impõe à sua primordial inscrição, o legado histórico. Com a liberdade enjaulada, a democracia vai definhando e as vendas da ilusão tornam-se mais eficazes. A venda que cobre os olhares e a outra que redunda em proveitos, em dinheiro e em políticas que se fazem jeito.
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