O nosso tempo está condenado a contradições profundas. Nunca
houve tantos fluxos culturais, tantas supostas compensações entre povos, tantas
representações em distribuição. Contudo, nunca o decurso cultural esteve tão
colonizado pelo regular encadeamento do consumo. Aquilo que poderia ser edificante
encontro criador e diálogo de diferenças torna-se, sob a soberania do capital
global, mercadoria uniformizada, pronta a ser comprada.
O consumismo capitalista não apenas apresenta, quiçá,
utilizáveis proveitos. Vai bem mais longe, presenteando modos de vida, modelos
de desejo, representações de identidade. A cultura, que em si poderia ser defesa,
memória, inspiração ou herança, é tomada como simples matéria. O espetáculo toma
o lugar do pensamento, a imagem espezinha a palavra e o valor de troca impede a
respiração do valor simbólico.
Assim sendo, as identidades nacionais e culturais não se
retiram por si mesmas; são metamorfoseadas porque se demudam em matéria-prima
para o mercado. Tornam-se marcas, slogans, simples atrativos ou clichés
publicitários. O sujeito, ao contrário de se pensar livre e criador, é intimado
como cliente vitalício, aquele que “é” apenas medida que compra, consome,
exibe.
A pós-modernidade universalizou o consumo da mesma forma que dissipou as influentes narrativas. Assim feito, apresenta-se como liberdade a escolha e, muitas vezes, apenas a liberdade de circular entre escaparates. Este “livre-arbítrio” torna-se um devaneio orientado pelos consórcios, pela publicidade e pelos algoritmos que ajustam o desejo ao molde antes mesmo de a criatura o reconhecer como seu.
Torna-se, assim, preciso reconquistar a consciência crítica:
a cultura não pode ser limitada à vitrine do mercado. Há sempre espaço para
resistência, pois ela habita no empenho de pensar contra a corrente, de devolver
ao saber cultural a sua densidade, a sua memória e a sua capacidade de desobstruir
mundos. Ou seja, contra a lógica de uma humanidade reduzida a clientes, importa
afirmar o direito de ser sujeito, não consumidor, mas criador, não cliente, mas
cidadão do comum.
Neste cenário saturado de imagens e mercadorias, insisto, talvez uma eficiente resistência esteja em recuperar a nobreza da simplicidade. Simplicidade não como empobrecimento ou recuo, mas como gesto ético e estético, ou seja, recusar o excesso, não se deixar aprisionar pela voragem do consumo e afirmar o essencial contra o supérfluo. É nesse espaço de clareza e contenção que a cultura pode recuperar dignidade e que o sujeito possa reencontrar-se para além do ruído incessante do mercado.
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