O sujeito não é aquilo que, quase sempre, supomos ser. Não
nos envolvemos na vida social acabados, com uma identidade concluída, unificada
e coerente. O nosso papel relacional não se define apenas na troca de ideias
com os outros. O sujeito é sempre dividido, atravessado pela falta. Identidades
genuínas ou seguras não existem: estão sempre em construção, nutridas de
contradições intrínsecas.
O sujeito apresenta-se, sempre, dentro da linguagem, da
cultura e da tradição, nunca fora delas. A palavra, a posição e a
representação estabilizam-no e fixam-no na rede do social. O significante
representa aí um sujeito para outro significante. O sujeito mostra-se,
portanto, como consequência do que as coisas significam. Do mesmo modo, os
protagonistas coletivos existem porque se organizam em torno de símbolos,
discursos e opiniões.
Ao entrar na ordem simbólica, o sujeito reconhece que não
pode ser tudo nem ter tudo. Daí a procura necessária de reservas múltiplas e
imaginárias. A psicanálise ensina que é justamente da perda que nasce a
exuberância da estrutura do desejo. Perante a falta, a identidade desponta e
atreve-se a conviver com ela. Os atores coletivos encontram aqui o seu papel:
sustentam-se em fantasias e sublimidades que, embora exíguas, mantêm o
movimento.
A palavra acolhe as diferenças, não por essências, mas porque reconhece o ciclo contínuo e interminável da agitação das identificações. O significante, afinal, nunca encerra um significado definitivo. Daí o engano do sujeito quando pensa poder encontrar e assumir uma identidade certa, íntegra e perfeita. Politicamente, perante esse horizonte impossível, resta o valor da possível coerência que se constrói na ousadia de estruturar.
A identidade surge, assim, como resultado de sedimentos
históricos de identificações transitórias. Vivemos, provavelmente, com base em
identidades sucessivas - por vezes assumidas como absolutas, quando não passam
de processos em curso. Os movimentos sociais acumulam histórias de lutas,
símbolos e derrotas que conformam quem são, mas sem jamais encerrar horizontes.
As identificações, embora firmes, são sempre tendenciosas.
Imperfeitas, revelam-se como colagens temporárias, ancoradas em discursos e
símbolos preponderantes. Daí emergem movimentos que se unificam em torno de
palavras de ordem, causas ou líderes, mas sempre instáveis e facciosos.
O ator coletivo é, assim, expressão de uma narrativa de
identificações, abandonos e reorganizações. Surge com um punhado de
significantes (temas, críticas, palavras) que procuram articular diferentes
demandas, servindo de pontos de ligação a múltiplas solicitações. A sua
eficácia depende menos da pureza ou da nobreza de princípios do que da
capacidade de se articular de forma coerente e de exercer influência nas
condições históricas concretas. Embora tendenciosas, estas formações deixam
aberta a possibilidade de serem questionadas.
Em síntese, sujeito e ator coletivo são resultados de identificações frágeis, nunca encerradas. A linguagem e o imaginário alimentam, embora também limitem, essas formações. Os atores coletivos têm potência política, mas a sua coerência nunca é garantida: depende de escolhas feitas em circunstâncias incertas e transitórias. O campo a que a psicanálise se dedica mostra, afinal, que não há articulações históricas e simbólicas definitivas: apenas construções provisórias que produzem sujeitos e coletivos em condições de agir politicamente. Neste tempo de identificações desagregadas, múltiplas e frágeis, surgem movimentos vivos, embora traiçoeiros, que buscam apenas o poder possível, capaz de adiar, mais do que esclarecer, a totalidade do dilema.
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