sábado, setembro 20, 2025

UMA EVIDÊNCIA DA FALTA

O sujeito não é aquilo que, quase sempre, supomos ser. Não nos envolvemos na vida social acabados, com uma identidade concluída, unificada e coerente. O nosso papel relacional não se define apenas na troca de ideias com os outros. O sujeito é sempre dividido, atravessado pela falta. Identidades genuínas ou seguras não existem: estão sempre em construção, nutridas de contradições intrínsecas.

O sujeito apresenta-se, sempre, dentro da linguagem, da cultura e da tradição, nunca fora delas. A palavra, a posição e a representação estabilizam-no e fixam-no na rede do social. O significante representa aí um sujeito para outro significante. O sujeito mostra-se, portanto, como consequência do que as coisas significam. Do mesmo modo, os protagonistas coletivos existem porque se organizam em torno de símbolos, discursos e opiniões.

Ao entrar na ordem simbólica, o sujeito reconhece que não pode ser tudo nem ter tudo. Daí a procura necessária de reservas múltiplas e imaginárias. A psicanálise ensina que é justamente da perda que nasce a exuberância da estrutura do desejo. Perante a falta, a identidade desponta e atreve-se a conviver com ela. Os atores coletivos encontram aqui o seu papel: sustentam-se em fantasias e sublimidades que, embora exíguas, mantêm o movimento.

A palavra acolhe as diferenças, não por essências, mas porque reconhece o ciclo contínuo e interminável da agitação das identificações. O significante, afinal, nunca encerra um significado definitivo. Daí o engano do sujeito quando pensa poder encontrar e assumir uma identidade certa, íntegra e perfeita. Politicamente, perante esse horizonte impossível, resta o valor da possível coerência que se constrói na ousadia de estruturar.

A identidade surge, assim, como resultado de sedimentos históricos de identificações transitórias. Vivemos, provavelmente, com base em identidades sucessivas - por vezes assumidas como absolutas, quando não passam de processos em curso. Os movimentos sociais acumulam histórias de lutas, símbolos e derrotas que conformam quem são, mas sem jamais encerrar horizontes.

As identificações, embora firmes, são sempre tendenciosas. Imperfeitas, revelam-se como colagens temporárias, ancoradas em discursos e símbolos preponderantes. Daí emergem movimentos que se unificam em torno de palavras de ordem, causas ou líderes, mas sempre instáveis e facciosos.

O ator coletivo é, assim, expressão de uma narrativa de identificações, abandonos e reorganizações. Surge com um punhado de significantes (temas, críticas, palavras) que procuram articular diferentes demandas, servindo de pontos de ligação a múltiplas solicitações. A sua eficácia depende menos da pureza ou da nobreza de princípios do que da capacidade de se articular de forma coerente e de exercer influência nas condições históricas concretas. Embora tendenciosas, estas formações deixam aberta a possibilidade de serem questionadas.

Em síntese, sujeito e ator coletivo são resultados de identificações frágeis, nunca encerradas. A linguagem e o imaginário alimentam, embora também limitem, essas formações. Os atores coletivos têm potência política, mas a sua coerência nunca é garantida: depende de escolhas feitas em circunstâncias incertas e transitórias. O campo a que a psicanálise se dedica mostra, afinal, que não há articulações históricas e simbólicas definitivas: apenas construções provisórias que produzem sujeitos e coletivos em condições de agir politicamente. Neste tempo de identificações desagregadas, múltiplas e frágeis, surgem movimentos vivos, embora traiçoeiros, que buscam apenas o poder possível, capaz de adiar, mais do que esclarecer, a totalidade do dilema. 

Sem comentários:

Enviar um comentário