segunda-feira, março 23, 2020

O ENCANTO DO DESCONHECIDO TAMBÉM DE QUARENTENA


Aqui está um momento místico, acaso delirante, de auscultação ao jeito humano de acomodação. Não regresso decerto à infância, mas sinto a necessidade de espiar o contraste da agitação conciliadora, boa ou impiedosa, de ânimos e movimentos. Isto é, arrumar diferenças entre esse tempo vivo de céu azul e este outro, bem cinzento, que oprime. Espiar exige-me então, por condição e silhueta do termo, um modo muito pessoal de anotar, ainda que perdido no baralho das referências, dos tempos e das vivências. Sobretudo, no uso das cartas desse lúbrico jogo de adaptação ao estranho e ao desconhecido. Mormente ao lembrar, e ao invocar, esse originário e vital cuidado dos pais, reconhecido como delicado e leal. Da alegórica proteção assegurada que a todo o tempo se faz obrigatoriamente intuída como esclarecedora. Assim sendo, e perante a sombra da nuvem virulenta, no lugar dos pais, avisto padrastos distantes, desapegados e frios. Educados, e de urbanidade conveniente, mas imperfeitos na razão da primordial afabilidade. Uma elementar falha que, quer queira ou não, me define um avesso e me força ao impasse no apuro do embaraçoso oculto. A memória de infância impõe-se-me, então, na catálise das precipitadas paralisias ante a indiferença das friezas. Afinal, de outra busca se trata certamente alheia a essa verdade primeira. O que se me apresenta será (ou é), então, e diferentemente, o alcance de novos e diferentes modos de resguardo e confiança. Numa túrbida paisagem de insólitas hierarquias que me envolvem neste mudado tempo intensamente vivido como incerto e insuficiente. A dependência de antes confronta-se hoje com enlaces distintos, bem atípicos, intuídos como rebentos de estranhas e imprecisas realidades, e ritualizações. Novos mitos despontam atraindo cada qual o seu vigor na norma do reajuste, do pretexto e do abrigo. E com eles surgem cerzidas narrativas, inéditas liturgias e austeras transições. Contudo, o calor da confiança não aquece, não chega, não consola, e não dá ao desconhecido a possibilidade de me pacificar. A ansiedade junta-se ao desconforto e, em somado, gelam a minha tranquilidade. E eu, sem ela, sinto-me incapaz de inventar roteiros, apenas de simples roteiros que me levem à alquimia do tempo. Deste tempo presente por demais virulento.

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