Ao ler A Armadilha Identitária, de Yascha Mounk, fui-me concentrando no profícuo e artificioso engenho verbal, enquanto serventia do arquétipo para caçar, sobretudo, o inconsciente de gente descuidada e apoderada pelo seu dente canino. Trata-se de pessoas que pensam e forjam identidades de mentiras distintas, acima da paridade individual, dos seus direitos e respeitabilidade humana.
Como sentencio com evidência, um dos grandes contratempos da
chamada “armadilha identitária”, como o autor a batiza, é que ela anemie a
harmonia social, sobrestime as identidades desconjuntadas e as converta no foco
do debate público e político, obstaculizando a inclusividade e conflituando,
envenenando a divergência entre elas. O necessitado essencialismo, ao encurtar
a complexidade humana, faz-se indesejável, ao sentenciar as pessoas pelas suas
pertenças culturais e não como criaturas próximas e semelhantes.
Enfatizar o jogo verbal e social de soma zero — o que um
grupo ganha, o outro perde — gera um clima de rivalidade que, em nada, ajuda o
diálogo cooperativo necessário a uma aproximação que se torne socialmente mais
fecundante do que nos deixarmos arrastar pela tacanha antipatia entre ambas
forjada. Há, então, que investir na razão e no universalismo, aos seus
princípios, recorrendo à dignidade humana e aos direitos fundamentais, tentando
superar, assim, as suas fragmentações sociais e culturais, sem ter em conta as
suas justificadas fidelidades.
Como podemos argumentar contra esse estratagema identitário,
segundo Mounk? Sinteticamente, impõem-se quatro pilares indispensáveis. O
primeiro, ao valorizar, destacando os direitos universais e a dignidade humana,
afirma que todos têm direitos iguais, independentemente de raças, géneros ou
outros atributos. Em segundo lugar, dar destaque à ideia que se procura e se
ambiciona, ou seja, uma sociedade inclusiva e unificada, através de princípios
comuns, assim como, e paralelamente, a consolidação da democracia. Em terceiro
momento, reconhecer a complexidade da identidade humana, admitindo a
individualidade das pessoas e os seus direitos à liberdade. Por último,
servir-se da razão e do diálogo, tendo presente a relevância de soluções
racionais e justas para as naturais e legítimas dificuldades, evitando a queda
na dita armadilha de ver e pressagiar o mundo.
Sem comentários:
Enviar um comentário