domingo, junho 15, 2025

TRAPOS DE VERDADE

O extremismo de direita do nosso tempo manobra através de um palavreado engenhosamente envenenado, socorrendo-se de vocábulos historicamente articulados à democracia, à liberdade e à justiça, despejando-os dos seus interiores originais, de modo a esculpi-los num horizonte de ideias e princípios autocráticos. O que observamos, neste campo palrador, é o uso e abuso acasmurrado de eloquentes alienados que, deslocados da sua genuína semântica, perdem a ancoração histórica e experiencial que os tornava significantes, colocando-os a ondular ao sabor das agitações populistas e dos seus comoventes alvoroços.

Essa transação não é meramente verbosa, pois constitui o íntimo de uma ideologia, no sentido de travar uma luta pela fixação dos significados no campo simbólico. Assim, imagens como liberdade, povo, soberania ou verdade deixam de ser meios de libertação que a todos procuram servir, tornando-se ideias de animosidade, discriminação e desconfiança desmedida. Logo, em nome da liberdade, recusam-se os direitos humanos; em nome do povo, sustenta-se o ódio às minorias; em nome da verdade, dispersa-se a falsidade.

Trata-se, pois, de uma crítica “tipo taberna” — superficial, teatral, dissociada da realidade concreta e das complexidades sociais — que se empertiga sobre relevâncias alucinadas e emocionalmente exacerbadas. Este modelo de crítica não visa o discernimento, nem a evolução da realidade, mas somente engajar simpatias difusas e desbastardar a ablação democrática da vida pública. O remate não é mais do que um arrazoado que procura aparentar autenticidade, desconjuntando a razão pública ao vestir trajes de liberdade para ocultar o corpo autoritário que habita.

Contra esta deriva, importa reconquistar o sentido das palavras — não como essência constante, mas como campo de responsabilidade que a todos pertence. A disputa não é mais do que uma luta pelos significados, e o que está em jogo nessa disputa é a própria possibilidade de pensar, conversar e viver democraticamente.

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