“Pequeno texto sobre a arte de não cumprir com dignidade”
Já não tenho fantasias, pois o mundo tem-se tornado um
mercado de vidas em saldo. Quem não rende, não presta, e quem não reluz, perde
brilho. Mas eu, birrento e de má sorte, continuo persistente, mesmo agora de pilhas gastas. Fala-se em meritocracia, produtividade e excelência, palavras
que servem para inocentar a indigência de terceiros. Eu, por mim, prefiro o
luxo da imperfeição, pois o não me mover bem tornou-se o meu pequeno ato de
indisciplina.
A vida sempre me quis capaz e, se possível, eficaz. Eu ofereci-lhe
apenas a qualidade de ser demorado. Quer-me animado e eu proporciono-lhe a irónica
oposição. Quer-me por inteiro, eu proponho-lhe frações e, se possível, não
deixo de embolsar caro. Enquanto eles medem sucesso em cifras e seguidores, eu
coleciono perdas com o mesmo cuidado de quem guarda provas de uma espécie em
vias de extinção. Ou, melhor dizendo, a dos que ainda sentem decência em não
vencer à custa de tudo.
Poder-me-ão imaginar, afinal, muito grosseiro, ultrapassado
e de muito blá-blá-blá. Aceito, evitando o achincalho. É bem mais aceitável isso
do que servir de estatística ao aludido progresso. Prefiro, pois, sobrar como vestígio
sem relevo do que alinhar no desfile dos bem-sucedidos. Sinto-me, certamente,
uma brecha consciente, teimando persistir cidadão. Não sirvo alguns, todavia existo
e sinto-me bem e bem vivo.
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