Uma face da temática relativa à Educação e Formação de Adultos (EFA) que interessa pôr em questão tem a ver com o processo de Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências (RVCC) na sua relação de aprendizagem com a formação e o desenvolvimento (das pessoas e das comunidades) no quadro mais amplo da Educação e Formação ao Longo da Vida.
Começo por dizer que considero à partida importante que o processo de RVCC não seja, nem possa ser pensado, como um ponto de chegada de um decurso que, sublinhe-se, é necessariamente conjuntural e acontece num momento de certificação em grande escala. Tomá-lo como ponto de chegada seria assumir uma visão exígua, deficiente e, provavelmente, inclinado à pia fraude. O RVCC, apesar de se afirmar como um processo de validação e certificação de competências, tem de ser encarado como um momento dinâmico de um processo educacional mais amplo e permanente que, ao recolher desta perspectiva o alcance que importa fazer valer, seja capaz de (trans)formar as pessoas e as suas condições de existência.
Uma política que se anima nas estatísticas recorre e dá valor a uma retórica inclusiva que se dissimula na realidade social e humana excludente e se deixa levar pelo impudor de uma lógica paliativa que difunde um discurso enganador à volta das oportunidades e da empregabilidade e que, como consequência, apenas contribui para distribuir esperanças dificilmente realizáveis. O que merece ser desejado é, provavelmente, coisa diferente, ou seja, a valorização do processo na sua dimensão formativa consubstanciada no balanço de competências que nele se inscreve, tendo em vista favorecer a formatividade, necessariamente presente, nos projetos futuros, pessoais e colectivos, dos adultos envolvidos. Distante disso, e com efeitos perversos, é o empenhamento obstinado na imobilidade da ideia da avaliação sumativa, em desfavor do valor intrínseco da função formativa aqui referido, dando uma atenção desmedida aos diplomas e às certificações como objectivos quase únicos do reconhecimento e da validação.
É neste contexto e perspectiva que se pode e deve colocar uma consideração essencial, ou seja, questionar o foco que se privilegia ao longo do processo de RVCC, o do fechamento no individual ou, diferentemente, o foco na relação aberta do adulto com o outro e com o meio. Perante tal questionamento a diferença constitui-se na importância que se confere à existência ou não de espaços para o debate de problemas comuns e, consequentemente, na valorização das abordagens partilhadas e reflectidas de possibilidades, naturalmente diversas, de perspectivação e ação. Em jeito de conclusão, poder-se-á discutir se o trabalho sobre a explicitação das evidências no processo de reconhecimento e validação deve favorecer ou não novas formas de perceber e perspectivar o social e o mundo e de agir sobre eles de modo mais informado e ajustado?
Proporcionar situações que favoreçam, neste quadro, o debate e o esclarecimento das relações sociais e de poder desiguais é, igualmente, um desafio ético que não se pode deixar de inscrever na dimensão reflexiva do processo. As realidades sociais e as condições de existência devem constituir objecto de questionamento de modo a impedir que possam continuar a ser pensadas como inevitabilidades. É neste contexto de preocupações que algumas perspectivas se apresentam e se anunciam neste campo da Educação de Adultos (EA) e que interessa reter. A EA como um lugar e um espaço social onde a crítica realmente acontece e a busca de alternativas constitui um desafio claro de cidadania e de educação, proporcionando ao adulto situações de análise da sua situação pessoal e da sociedade em que se insere, de modo a trabalhar e a apurar a sua consciência nos planos do social e do político. Ou, longe disso, a ambição fica-se pelo meramente técnico e instrumental, oscilando entre um individualismo possessivo e o poder globalizado da economia.
Por último, acrescente-se que o factor tempo constitui um elemento decisivo porque dele depende, como condição indispensável, a qualidade do trabalho a desenvolver nos planos formativo e metodológico. Os momentos incontornáveis de compreensão e maturação do processo, de exploração pessoal e partilhada das biografias formativas dos adultos face às exigências do referencial e, por fim, as contrariedades decorrentes das dificuldades de escrita no desenvolvimento de um portefólio reflexivo, exigem tempo, serenidade e perseverança. O reconhecimento generalizado das fragilidades de natureza educativa e cultural da grande maioria dos adultos portugueses, que ocorrem natural e logicamente de escolaridades curtas, convoca metodologias e suportes de mediação em que o recurso tempo não é dispensável, no sentido de facilitar e favorecer a ocorrência desejável das autonomias que se pretendem fazer crescer.
O terreno dilemático acima aludido, associado a esta questão incontornável do tempo, traz à colação a possibilidade ou não de se considerar a mudança social como um propósito maior, fulcral e legítimo no âmbito da educação e formação de adultos. Assim sendo, a questão pertinente que se pode ou deve colocar é esta; será possível aos Centros de Novas Oportunidades (CNOS) trabalhar o referencial de competências-chave neste sentido crítico e transformador, das pessoas e dos seus contextos de existência, ou, pelo contrário, aos CNOS não resta outra alternativa que não seja a da renúncia, por filosofia ou por incapacidade, de considerar a mudança social como propósito educativo?
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