domingo, março 20, 2011

RVCC – HISTÓRIAS DE VIDA E IDENTIDADES

Texto de 17ABRIL2010

A oportunidade de ler, ao longo destes últimos anos, muitas centenas de histórias de vida na qualidade de avaliador externo, no âmbito do processo de reconhecimento, validação e certificação de competências (RVCC), permite-me partilhar uma breve reflexão que pode ter algum interesse no plano da educação e formação dos adultos e não só.

 Começo por manifestar, que uma das dimensões de análise que sempre privilegiei, e continuo a privilegiar, é a da apreensão da forma como o adulto se apresenta e se define como pessoa ao longo das narrativas. Essa significação desenvolve-se e expressa-se, na generalidade das vezes, através da enunciação de características que ele estima como necessárias e representativas da sua pessoa enquanto ser humano.
 
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No fundo, o adulto apresenta-se através da(s) sua(s) identidade(s), sem ter disso uma consciência clara. Situa-se nos seus espaços múltiplos e diversos de pertença e expressa, por aceitação ou oposição, os valores que lhe favorecem a orientação ou, pelo contrário, lhe sugerem desafios. Em síntese, o adulto expõe nas suas narrativas, para além das características pessoais próprias, os momentos e os elementos mais significantes do seu processo evolutivo de (trans)formação como pessoa.

 

Particularmente curioso é verificar a opacidade que obscurece a relação entre essas identidades, os contextos que as constituem e o exercício de uma vontade própria contextualizada que se confunde com uma “liberdade” feita de constrangimentos, compromissos e identificações que escapam à consciência. A culpabilização indevida do adulto em inúmeras situações, onde o abandono escolar apenas constitui um entre muitos exemplos esclarecedores, revela exatamente isso. Ou seja, o relato dessas situações apresenta interpretações imperfeitas que, sendo mais marcadas pelo horizonte social e cultural do adulto, aparecem como escolhas pessoais sentidas e confessadas como soberanas.

A metodologia assente na história de vida, para além dos seus objectivos mais instrumentais, apadrinha reflexões relevantes que permitem a descoberta de “outros significantes” que, logicamente, não deixam de favorecer o diálogo do adulto consigo próprio e com os outros no esclarecimento de vínculos múltiplos que resultam da inevitabilidade decorrente do carácter dialógico e intrínseco da condição humana.
 
Como se sabe, é pela comunicação que os homens estabelecem interdependências, se reconhecem uns aos outros, celebram afectividades e promovem sociabilidades.
Neste universo de vínculos múltiplos e de natureza diversa é que o adulto vai constituindo a(s) sua(s) identidade(s) e aperfeiçoando a sua própria individualidade. Saber quem se é passa por se reconhecer o seu mundo, ou seja, trazer à consciência as comunidades produtoras de sentido a que se pertence. Os adultos organizam a complexidade da relação que estabelecem face aos outros e ao mundo através da(s) suas identidade(s). Deste modo, refletir sobre a sua história de vida não é mais do que o propor ao adulto que reescreva a história dos seus compromissos, limites, inclusões e exclusões, inscrevendo nela crenças, valores e sentidos.

No entanto, por vezes, rejeita-se a história e desafia-se a(s) identidade(s). Mas como nos diz Pio Abreu, em “Quem nos faz como somos” (Edições Dom Quixote) “ … se a identidade for aberta à experiência, a mudança não faz mais do que enriquecê-la”. A fase de reconhecimento, sem prejuízo das etapas seguintes (validação e certificação), pode e deve apoiar aquela abertura, isto é, fomentar a passagem da fronteira pessoal à construção histórica e narrativa da(s) respectiva(s) identidade(s).

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