quinta-feira, junho 23, 2011

Educação e Formação de Adultos pouco escolarizados e a Iniciativa Novas Oportunidades

 

duvida

À minha amiga Dina Bernardo

Estabelecer uma relação entre a Educação e Formação de Adultos (EFA) e a Iniciativa Novas Oportunidades (INO) é trazer para um debate exigente e espinhoso, sobretudo pela sua natureza ideológica e axiológica, a importância da capacidade individual e colectiva das aprendizagens, designadamente dos adultos menos escolarizados, tendo bem presente os atrasos estruturais nos planos da educação e da formação que se verificam na sociedade portuguesa, com as consequências sociais, culturais e económicas que se conhecem. Não sendo possível nesta breve reflexão inscrever tal aprofundamento, passo a expressar apenas algumas notas que considero relevantes na relação em análise.

 

Em primeiro lugar, importa referir os números expressivos de adesão aos processos de Reconhecimento e Validação de Competências (RVCC) e às novas ofertas de EFA que, pela sua ordem de grandeza, merecem um exame exigente e desapaixonado. Inevitavelmente estamos em presença de impactos, ganhos e perdas nas esferas do individual, do social e do económico que interessa avaliar e elencar. Neste panorama impressivo, será naturalmente pertinente questionar se a EFA é hoje já um sistema ou, ainda e tão-só, um conjunto generalizado e diversificado de práticas mais ou menos localizadas?

Uma ilação, no entanto, é-me permitida pelo contacto intensamente vivido com os adultos que têm respondido positivamente à INO; o Estado é visto por estes com simpatia e a ocorrência desta subjectivação, designadamente junto de uma população menos escolarizada, não é algo que se possa depreciar política e socialmente enquanto condição valiosa em termos da evolução próxima da educação e da formação dos adultos.

Valendo as percepções o que valem, neste contexto disputado de subjectividades e de racionalidades, designadamente no âmbito do RVCC, interessa apurar se estamos em presença de um mecanismo que reproduz e revalida desigualdades ou, pelo contrário, promove mudanças de natureza social intencionalmente comprometidas com processos mais amplos e desejáveis de democratização. A EFA constitui, como se sabe, um campo de múltiplas dimensões (do cultural ao económico, passando pelo educativo e que nestas não se esgotam) que interagem entre si de uma forma nem sempre harmoniosa e congruente, fazendo com que o critério decisivo não possa deixar de ser colocado na emancipação (pessoal e social) dos cidadãos, designadamente dos que não foram favorecidos pelas suas circunstâncias sociais e históricas.

É neste quadro, onde as políticas se constituem, que importa perceber a escala que se pretende dar à EFA e como esta acolherá (ou não) todo um património cultural e educativo de experiências significativas anteriores e das filosofias que lhes estiveram (e estão) subjacentes. As questões de proximidade, de emancipação pessoal e colectiva e de natureza e amplitude das mudanças não podem deixar de constituir referências fundamentais na valorização sistémica deste domínio socioeducativo enquanto modalidade institucional que se deseja com a mesma dignidade das restantes. Estas são algumas das questões que podem e devem orientar o debate que urge continuar, incentivar e aprofundar no domínio da EFA.

Uma outra face da temática relativa à EFA, que importa igualmente problematizar, tem a ver com o processo RVCC na sua relação com as aprendizagens no quadro mais amplo da Educação e Formação ao Longo da Vida. Nesta perspectiva, desde já, impõe-se uma nota inicial; o RVCC não pode ou deve ser considerado um simples ponto de chegada. O RVCC tem de ser promovido e, como tal, instituído seguramente como um ponto de partida ou de passagem para um processo educacional mais amplo e permanente capaz de (trans)formar as pessoas e as suas condições de existência. Neste contexto, torna-se, deste modo, desejável trabalhar e valorizar o processo RVCC optimizando a sua função formativa, nele inscrita, de um eficiente balanço realizado de saberes e de competências, tendo em vista o desenvolvimento viável e futuro de projectos pessoais e colectivos.

Acrescente-se à nota anterior, uma outra consideração sobre as evidências requeridas ao longo do processo de reconhecimento e validação e a natureza (colectiva ou individual) da sua focagem. A diferença na tomada de foco pode favorecer (ou não) o debate de problemas comuns e apadrinhar (ou não) abordagens partilhadas de possibilidades de acção. O terreno e a natureza das evidências orientarão (ou não) novas formas de perceber e perspectivar o meio e o mundo e, como tal, modos de acção distintos de operar sobre eles, reclamando naturalmente saberes e competências diferentes para responder a necessidades, também elas, logicamente diversas.

Por último, o factor tempo. Este constitui-se num elemento decisivo porque dele depende a qualidade de realização de um trabalho metodológico, formativo e organizativo capaz, tendo em conta, com rigor e realismo, as dificuldades de natureza educativa e cultural inerente a percursos escolares reduzidos da grande maioria dos adultos. A ocorrência e o desenvolvimento de autonomias de modo a alterar as relações, por vezes fundas, de desigualdades no plano dos múltiplos recursos associados à capacidade de aprender permanentemente, não podem continuar a ser pensadas como eternas inevitabilidades. Assim sendo, uma das questões pertinentes que se coloca é esta; será possível aos Centros de Novas Oportunidades, nas condições actuais e no âmbito global da INO, trabalhar os referenciais de competências-chave neste sentido crítico e transformador das pessoas e dos seus contextos de existência?

Imagem retirada DAQUI

Sem comentários:

Enviar um comentário